terça-feira, 11 de agosto de 2009

Decifrado o genoma do HIV

Estudo de pesquisador da Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, pode ajudar a definir novas estratégias de combate ao vírus

Rodrigo Craveiro

O vírus HIV já matou 25 milhões de pessoas em todo o mundo e corre no sangue de outros 33 milhões. Apesar do desenvolvimento dos inibidores de protease e de outras drogas que aumentaram a sobrevida dos pacientes, a falta de compreensão sobre o microorganismo responsável pela epidemia era um obstáculo para a ciência. No entanto, essa limitação caiu por terra hoje, com a publicação de um estudo revolucionário na capa da revista científica Nature. Foi no Laboratório de Biologia Química e Estrutural do Transcriptoma da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, que o especialista Kevin Weeks debruçou-se por dois anos até concluir a primeira decodificação completa do genoma do HIV-1. Para completar a façanha, ele contou com a ajuda de outros colegas da instituição e de infectologistas do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos.

Em entrevista exclusiva ao Correio, por e-mail, Weeks explicou que seu laboratório vinha desenvolvendo reações químicas especiais que fornecem informações sobre a estrutura do ácido ribonucleico (RNA) — responsável pela síntese de proteínas nas células. “Essas reações possibilitaram que avaliássemos, em um único experimento, a composição de RNAs extensos, como o genoma do RNA do HIV”, afirmou. Segundo o cientista, as moléculas de RNA são construídas a partir de blocos individuais chamados de nucleotídeos. “Descobrimos que o genoma do HIV-1 é amplo e contém duas tranças de RNA com 10 mil nucleotídeos em cada”, acrescentou.

A tecnologia elaborada por Weeks e seus colegas permitiu analisar a arquitetura do genoma do HIV isolado de culturas contendo trilhões de partículas virais em crescimento, os chamados vírions. De acordo com o autor da pesquisa, antes dessa técnica era extremamente difícil obter uma imagem da estrutura de RNAs extensos. Isso porque as imagens obtidas eram de baixa qualidade e desprovidas de características importantes. “Agora, temos uma figura completa da estrutura do RNA. Anteriormente, apenas poucas regiões do genoma do RNA haviam sido decifradas”, comentou Weeks. “O mais importante resultado de nosso estudo é que o genoma do HIV está repleto de estruturas de RNA não conhecidas antes. Muitas delas parecem desempenhar um papel importante na replicação do vírus”, destacou o cientista.

Combate
Conhecer mais sobre o inimigo é um meio de se escolher as armas para combatê-lo. Enquanto todos os seres vivos — incluindo os humanos, os cães, as flores e os mosquitos — têm genomas baseados em DNA e muito similares entre si, os vírus podem ser feitos também de RNA. Nesse caso, são quase sempre causadores de graves doenças, como Aids, gripe suína, hepatite C e poliomielite. O que torna os genomas de RNA diferentes entre si é o fato de a molécula se assemelhar a uma fita única, que pode se dobrar e originar objetos tridimensionais. “A estrutura inteira do genoma do HIV é como um bracelete, no qual vários objetos tridimensionais (semelhantes a talismãs) se conectam a ele, que mantém tudo unido”, explicou Weeks.

Segundo ele, a grande surpresa da pesquisa foi que o genoma contém um grande número desses objetos em 3D. “Eles parecem ter um papel muito importante na replicação do ciclo do HIV-1”, revelou o especialista. Weeks acredita que muitas das estruturas recém-descobertas do genoma do HIV afetam o modo como o vírus produz as proteínas. “Essas substâncias são essenciais para a habilidade do HIV de replicar seu genoma, fabricar novos vírions e se agrupar, a fim de entrar nas células humanas”, disse.

Os cientistas agora já sabem que é importante que partes diferentes de proteínas do HIV sejam sintetizadas a taxas distintas. “Muitas das estruturas do RNA, no genoma do HIV, parecem ter a função de ‘redutores de velocidade’, no sentido de desacelerarem o processo de síntese proteica em períodos bastante específicos”, esclareceu o pesquisador norte-americano.

Impacto
Até o momento, os especialistas só estudaram o genoma completo de um único vírus, o HIV. Caso a norma se aplique a outros vírus feitos com RNAs, a ciência poderá entender um novo nível de código genético, jamais compreendido até então. A descoberta de Weeks provavelmente vai causar impacto no tratamento da Aids. De acordo com Weeks, a maior parte das drogas atua por meio da interrupção ou da modulação da função de proteínas essenciais.

Ele exemplifica com a importância dos inibidores de protease do HIV, que se unem a estruturas específicas da protease e barram a ação dessa substância fabricada pelo vírus da Aids. “No geral, as drogas não têm sido direcionadas contra importantes estruturas do RNA. Uma das razões para isso está no fato de que essas estruturas quase sempre não são compreendidas como estruturas proteicas”, disse. Com a nova pesquisa, Weeks espera que seus métodos e resultados ajudem a ciência a criar novas estratégias para impedir a ação do HIV, ao atingirem diretamente os genomas do RNA.



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